Algo que gostamos tanto quanto embarcar num avião para uma nova e bela aventura pelo mundo é que pessoas queridas façam o mesmo. A gente acaba ~viajando~ junto, acompanhando os preparativos e a expectativa, trocando impressões durante a viagem (quando possível) e, depois, saboreando as histórias e lembranças.
A cada nova partida, é sempre uma alegria ver sonhos virando realidade bem pertinho de nós, como aconteceu com os amigos Helga Silva e Thiago Nunes há alguns meses, quando eles encararam a lendária Transiberiana, indo da Rússia à China de trem, com direito à parada na Mongólia (que sonho!!).
Mas antes de continuar essa história, dá um play no vídeo apaixonante editado pela Hel, que é diretora de arte (aliás, siga no YT o ótimo Listas Extraordinárias).
UAU, né? Se você curte se jogar no mundo, tenho certeza de que ficou arrepiado vendo esse resumo da viagem de 29 dias, muito bem embalada por “O Viajante“, de Forfun (novidade musical por aqui; adorei!). Bateu uma vontade de voltar correndo pra China e conhecer mais um tanto desse lado do mundo.
Claro que quis de saber sobre essa viagem incrível dos dois. Conversei com a Helga e o Thiago um pouquinho sobre isso. Ou melhor, pedi que contassem mais sobre essa aventura, que foi a realização de um sonho deles e, para nós, é uma baita inspiração!
A escolha do destino
Thiago: “Em 2012, eu fiz uma viagem pela California que durou uns 3 dias de carro, ali pela Big Sur. Na ocasião, conheci um australiano e, quando contei sobre minha ‘façanha’, ele comentou que a maior aventura da vida dele havia sido o Transiberiano. Eu nunca tinha ouvido falar. Cada detalhe que ele contava, me deixava mais curioso. Comecei a buscar pela internet, mas na época não se encontrava quase nada sobre essa viagem. Brasileiros que a fizeram, então, nem pensar! Toda vez que eu lia sobre as dificuldades dessa trip, me dava mais vontade de conhecer! Só precisava me planejar bem. Enfim, foram 4 anos esperando, que valeram cada minuto”.
Helga: “Esse era um sonho antigo do Thiago! Nas nossas viagens, a cada ano, um dos dois escolhe para onde vamos – no ano retrasado fomos a Galápagos, a viagem dos meus sonhos (rs). Apesar de essa viagem pela Transiberiana ser o sonho dele, como eu tinha mais tempo disponível, fui eu quem planejei tudo”.
O (difícil) planejamento
Helga: “Foi complicado, principalmente a parte da compra das passagens de trem, pois tem que comprar cada trecho com base nas cidades que quer visitar. Mas o que não se explicava em nenhum lugar (e não encontrei em nenhum relato) é que existem datas específicas para a saída do trem de cada uma das cidades. Por exemplo, o trem da Mongólia para a China sai uma vez por semana; o trem que vai de Irkutsk (Sibéria) para Ulaanbaatar (capital da Mongólia) só sai em um dia específico da semana. Enfim, dificultou muito, pois os sites que vendem as passagens não te explicam nada direito; só dizem que não tem e pronto. Tive que tentar as passagens para todos os dias possíveis para começar a entender o fluxo”.
Helga: “Outro problema (o maior e o mais estressante) foi o site das passagens. O lugar mais barato para comprá-las é o site oficial da companhia de trem (Russian Railways), que é megaconfuso e não informa nada. Você também tem que comprar 1 passagem por vez (!!!) Isso rendeu um problemão: deu certo no primeiro trecho, mas errado no segundo, pois o site travou, como se o trem não existisse. Depois de muito estresse, decidi manter minha sanidade e usar outro site (Tutu.ru) que, apesar de mais caro, funcionava! Foi por ele que descobri ser impossível comprar online uma passagem da Mongólia para China por um preço razoável. Os sites que vendem essa passagem, na verdade, compram na estação e entregam para você (e sai megacaro). Acabei comprando todas as passagens, menos a da Mongólia para China. Deixei para resolver isso na estação mesmo, mas já sabendo quais eram os dias em que o trem partia – o que é fundamental nessa situação, para não ter que ficar mais uma semana esperando o embarque, caso perca o trem correto”.
A maior dificuldade
Helga: “No geral, tivemos muita sorte durante a viagem, mas quando chegamos na Mongólia, eu fiquei doente, minha garganta inflamou e fiquei com sintomas de gripe (quando não se quer sair da cama, sabe?) e nós íamos para o ger dos nômades no dia seguinte. Me desesperei, liguei para o seguro de saúde, mas só poderiam me ajudar no dia seguinte. Cheguei a ir na farmácia e brincar de ‘Imagem e Ação’ com o farmacêutico para conseguir um remédio para a garganta. Meu guia acabou me levando para comprar antibiótico e eu fui melhorando. Já o Thiago pegou uma infecção na boca na China que foi bem tensa. Ficamos os últimos 3 dias da viagem parados no hotel, praticamente. A boca dele inchou; não conseguia comer. Eu chamei um médico do seguro de saúde, que foi no nosso quarto e até nos deu umas aulas de chinês (rs) e ele receitou um antibiótico para o Thiago também”.
Os momentos mais especiais
Helga: “Nossa, foram muitos! Nós nos surpreendemos positivamente desde o começo. Pensamos que Moscou (Rússia) fosse um lugar sujo, escuro e hostil. Encontramos uma cidade onde todos, apesar de não falarem nossa língua, tentaram nos ajudar. Ninguém falava inglês, mas todos conversavam por mímica. Uma moça chegou a pegar a gente pelo braço e nos colocar na estação certa de metrô. Outra sorte é que chegamos lá na semana do aniversário de Moscou. A cidade estava em festa, tudo iluminado, ruas com comemorações, comida, bandas e vimos até fogos! Foi tudo mágico!”.
Trem-bala, amigos e mudanças de plano
Helga: “Fomos para São Petersburgo (Rússia) de trem-bala e ficamos em um hostel (Art Kultura) cheio de arte, música e gente legal. Conhecemos um brasileiro que estava viajando o mundo, o Kim, e ele nos contou sobre um casal que estava vindo da Mongólia pela Transiberiana. Fomos tomar cerveja com eles para pegar dicas. De São Petersburgo, voltamos a Moscou para embarcar no trem transiberiano para Irkutsk (na Sibéria), onde fica o vilarejo Listvyanka e o lago Baikal. Aí começa uma das coincidências mais incríveis da viagem. No nosso roteiro original, tínhamos planejado ir de Irkutsk para Ulan-Ude, outra cidade na Rússia. Assim que chegamos na estação de Moscou, deu a louca na gente e decidimos ir de Irkutsk direto para Ulaanbaatar (Mongólia) e passar mais tempo por lá. Quando chegamos em Irkutsk, precisamos usar muita mímica e Google Translate para encontrar o balcão de vendas, cancelarmos nossa passagem e comprarmos uma direto para Mongólia”.
Helga: “Em Irkutsk ficamos em um hostel incrível (Belka Hostel), afastado do centro do vilarejo, onde havia muitos gringos – alemães, canadenses, franceses, tchecos… Ficamos superamigos de todos, formamos tipo uma ‘turma’ que fazia tudo junto. Eu e o Thiago até organizamos a ‘noite de caipirinha’. Compramos vodca e lima (não tinha limão), sem gelo porque, afinal, estávamos na Sibéria – a moça do mercado ficou chocada quando perguntei se eles vendiam gelo. No dia seguinte, os irmãos canadenses falaram que estavam indo pra Mongólia fazer um tour com um guia que haviam contratado (o Munkh, que encontraram no Airbnb). Eles iriam ficar na casa do guia e, depois, com os nômades em gers. Perguntaram se a gente queria ir. Seriam 5 noites com tudo incluso que custariam 400 dólares. Eu e o Thiago amamos a ideia e nos planejamos para economizar no resto de toda viagem para fazermos esse passeio. Foi a melhor escolha!”
A experiência com os nômades
Helga: “Nós ficamos na casa dos pais do guia, um apartamento no centro de Ulaanbaatar. Que experiência! Eles faziam comida típica para nós o tempo todo: café da manhã (chá ou leite com sal – argh! eu não aguentava mais! -, torrada com geleia, biscoitos de iogurte, frutas), almoço (chá com sal – olha ele aqui de novo! -, uns bolinhos recheados, arroz, sopa) e, no jantar, o mesmo do almoço. O Thiago até experimentou intestino de cavalo, que eles tomam com cerveja. Munkh, o nosso guia, nos levou para os gers para ficarmos com uma família de nômades. Eles tinham 2 tendas (eram umas 7 pessoas, incluindo crianças) e todos dormiram em uma tenda só para que eu, Thiago e os irmãos canadenses Max e Riley pudéssemos dormir na outra. Levamos umas 4 horas para chegar até lá, de carro, por dentro de um deserto, sem estrada na maior parte do tempo. Começou a dar um medinho, pois já era noite. Não sabíamos direito para onde estávamos indo…”
Helga: “Quando chegamos e saímos do carro… Foi o céu mais estrelado que já vi na minha vida! Sério, fiquei sem ar. E havia um rebanho de 60 ovelhas olhando pra nós (rs). Só víamos os olhinhos. Conhecemos a família mongol, que não falava inglês, e bebemos uma garrafa de vodka inteira juntos, só na base da mímica e tradução do guia. Todo o tempo que passamos com eles foi incrível! Foram 2 noites na tenda – além da noite na casa dos pais do guia e mais outra no parque nacional, em outra tenda. Andamos com os cavalos dos nômades, vimos cavalos selvagens, fizemos trilha, colhemos frutas, foi incrível! Eles fizeram até churrasco mongol para nós e nos traziam comida tradicional o tempo todo”.
Uma avaliação da viagem
Thiago: “Seria clichê demais dizer que estamos ‘realizados’? Na verdade, essa nem seria a melhor definição. Nós estamos motivados! Somos daqueles viajantes comuns, sabe? Aqueles que têm que esperar o ano inteiro para viajar uma vez só. Por isso ficamos superorgulhosos. A gente descobriu que não há destino impossível quando se tem espírito de curiosidade. Toda a insegurança que tínhamos acabou se transformando na experiência mais incrível de nossas vidas. Por isso que nos sentimos motivados a explorar lugares novos!”
Helga: “Todos que ficaram sabendo que íamos viajar falaram que a gente era doido, que era perigoso etc. No final das contas, vimos que, de perigo, não tem nada. Havia, sim, muita gente tentando ajudar. No nosso caminho também conhecemos famílias, crianças e foi tudo muito amigável. Acho que a viagem só reforçou nossa ideia de que fazer planos fora dos padrões pode ser muito bom e um jeito de mudar a cabeça e a forma de pensar para sempre”.
No lado de cá, como observadores dessa viagem fantástica, concordamos demais com essas duas afirmações que nossos amigos deram aí em cima. O Thiago está supercerto ao dizer que não existe um destino “impossível” quando se tem curiosidade. Para se jogar no mundo, o primeiro passo é se jogar na internet, pesquisar muito, ler demais, conversar com quem já percorreu os mesmos caminhos. Pode ser bem difícil (como deu pra notar nesse relato), mas no fim das contas, a realização dessa tarefa torna a viagem ainda mais especial.
E, sim, fazer planos fora da caixa acabam mudando nossa cabeça e nossa forma de pensar para sempre, como bem citou a Helga. Nos tornamos mais abertos a experiências, nos adaptamos melhor a novas situações, deixamos (pré)conceitos de lado e passamos a aceitar o que é diferente à nossa rotina de uma maneira muito mais natural. ‘Bora viajar mais?
Resumo da viagem
- Duração: 29 dias (praticamente 6 deles dentro do trem)
- Quando: setembro e outubro de 2016
- Rota: de Moscou (Rússia) à Beijing (China), num total de 9.289 km
- Roteiro:
. São Paulo – Dubai (1 dia de viagem e 1 dia de stopover em Dubai)
. Dubai – Moscou (4 dias em Moscou)
. Moscou – São Petersburgo (4 dias em São Petersburgo)
. São Petersburgo – Moscou – Irkutsk (4 dias de viagem e 4 dias em Irkutsk)
. Irkutsk – Ulan-Bator – gers – Ulan-Bator (1 dia de viagem, 2 dias em Ulaanbaatar e 3 dias nos gers)
. Ulaanbaatar – Beijing (1 dia de viagem, 3 dias em Beijing)
. Beijing – São Paulo (1 dia de viagem) - Hospedagem: Moscou (Hostel Kremilin Lights), São Petersburgo (Art Kultura), Irkutsk (Belka Hostel), Ulaanbaatar + gers (Mongolian Munkh Tour – no Facebook e no Airbnb), Beijing (Beijing Saga International Youth Hostel)
- Seguro viagem: World Nomads
- Mais fotos dessa viagem linda no Instagram da Helga
(fotos: Helga Silva e Thiago Nunes)
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